terça-feira, 6 de outubro de 2009

Macumba

(Marcos Freitas)

Foi no elevador que Lúcia conheceu seu príncipe encantado: corpo atlético, pele morena contrastante com os olhos azuis, educadíssimo. Deu bom dia e comentou o clima lá fora. Logo descobriu que o gato morava no nono andar. Resolveu investir: só saía de casa maquiada e perfumada, até mesmo para ir à padaria. “Vai que eu encontro aquele pedaço de mau caminho pelo corredor”.
E dizem que não existe amor à primeira vista: paixão platônica! Passou a sonhar com o homem que, através de conversinhas com o porteiro, descobriu se chamar Sérgio. Um dia decidiu atacar. Colocou uma roupinha infalível, pegou uma xícara vazia e bateu na porta do seu amado. Coração na boca. De samba-canção, Sérgio ficou completamente sem ação diante daquele truque barato de vizinha vagabunda. Não quis deixar a moça constrangida e a convidou para entrar. Doou o saquinho de açúcar e jogaram conversa fora. Já era um grande avanço.
As semanas foram passando e Lúcia estava cada vez mais louca de tesão. Foi Rose, a empregada, quem disse à patroa que conquistar o verdadeiro amor era simples e fácil: bastava colocar, em um prato virgem, pétalas de rosas brancas e uma vela vermelha. Quando a vela se apagasse, era só deixar o prato na encruzilhada e esperar três dias. “Macumba forte, funciona até com mulher feia”.
Lúcia fez conforme instruída. Para garantir, foi pessoalmente a uma mãe de santo pedir o amor de Sérgio. A negra disse que não podia dar errado, e que ela mesma daria mais um empurrãozinho, “cinqüentinha e o resto é comigo”.
Os dias passaram demorados, no terceiro Lúcia estava cheia de esperança, ansiosa, completamente irracional: a que ponto chegou seu amor doente e instantâneo.
Subia e descia o elevador como se fosse uma criança travessa. Dava indireitas ao porteiro, rodava como uma barata zonza pelo hall do prédio, por um momento pensou em bater no apartamento daquele que já considerava o seu homem.
De repente, num estalo, que percebeu um tumulto em frente ao prédio. Multidão concentrada. Lúcia perguntou, quase sem voz, o que estava acontecendo.
Suicídio. Olhou, incrédula, para o corpo falido. Ouviu-se um grito de horror.

Personagens


LÚCIA

40 e poucos anos, solteirona desesperada. É uma mulher extremamente carente, inquieta, gorda por tantas noites desesperadas em frente ao pote de soverte. Acredita em príncipes encantados, apaixona-se facilmente. A cada romance, se reconstrói inteira ao gosto do escolhido. Tem uma vida estável financeiramente, mas possui hábitos suburbanos: adora bater papo com a empregada, com o porteiro, com as vizinhas, adora uma cartomante e uma boa liquidação. Seu sonho de casar com o homem perfeito é o que move esta personagem em busca da felicidade.

SÉRGIO

É o vizinho por quem Lúcia se apaixona. Corpo atlético, pele morena, olhos claros, educadíssimo. Não se sabe ao certo se é realmente o homem perfeito, porém Lúcia o idealizará. Ao final do conto, subentende-se um suicídio.

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