domingo, 18 de outubro de 2009

Segundos, por Lais Pimentel

O Daniel teve uma ótima idéia ao fazer uma clarabóia em cima da banheira. 1, 2, 3, 4... O Danielzinho adorava contar estrelas e ria quando eu fingia que me assustava quando ele apontava para elas! “Não aponta com o dedo, menino! Vai nascer uma verruga na ponta do seu nariz!” Ele ria, ria, dava gargalhadas com este teatro todo.

Os cachorros da vizinha começaram a algazarra de sempre. Deve ser duas da manhã, então. Eles são pontuais... A Gloria fica louca com esta conversa canina do lado da nossa casa. Ela faz uma expressão de curiosa, intrigada. Não foi fácil deixá-la no canil hoje de manhã... Ela percebeu que tinha algo de derradeiro dessa vez. Sempre digo: “Mamãe vai viajar e volta logo para te buscar.” Desta vez não falei nada. Quem será que ficará com ela?

Não me arrependo de não ter deixado bilhete pra ninguém. Melhor assim. Estão todos encaminhados, cuidando de suas próprias vidas. As que realmente me interessam, ocuparam o meu tempo. Daniel, Julia, Danielzinho... Leila... Estranho... não consigo me lembrar direito do rosto da Leila agora... a lembrança está embaçando... Me lembro da sua voz, dos conselhos bombásticos, da nossa sintonia, “eu ia te ligar agora!”, “Jura? Tô boba!”. A Leila é agora uma voz com um rosto desfocado...

Tô sentindo uma dor no peito... um enjôo...

Nossa! que lua linda, linda, linda!!!! Cheia, enorme, não dá nem para olhá-la direito... que brilho é esse, meu Deus?

Meus dedos estão tão enrugados...

Morro nua como nasci. Levo apenas a aliança de casamento e os dentinhos, um da Julia e um do Daniel, no colar. Morro casada e mãe. Já estou morta há tempos. Nada me move, nada me tira do ponto morto. Daniel ia gostar desta frase... Ponto morto... Não vejo um amanhã que justifique acordar mais um dia. Será que a Julia vai me odiar por antecipar meu fim? Ela será a minha melhor lembrança para o mundo. Minha única.

Não. O René vai se lembrar de mim, será fiel até após a minha morte. Pena que não fui capaz de retribuir o sentimento dele. Até pensei mas ficou no pensamento...

Espero que ele não se sinta traído por eu ter abusado dos seus conhecimentos para planejar minha morte. Meu bom René... Até consigo sentir, agora, o cheiro do expresso italiano que preparava sempre que nos encontrávamos no consultório dele. Se eu me concentrar no aroma do café quentinho talvez consiga parar de tremer de frio. Café, café... Odeio sentir frio...

Adorava dormir abraçada com o Danielzinho. Ele se encaixava perfeitamente nos meus braços. Não teve tempo de crescer e ficar desconfortável no colo da mamãe.

Que cansaço de tudo...

As estrelas se multiplicaram! 35, 36, 37...38...
O Daniel sempre dormia enquanto contávamos estrelas... o Danielzinho, não. “Não aponta com o dedo, menino!”
Precisava agradecer novamente ao René pela espuma de banho. A luz da lua se reflete nas bolhinhas que resistem. Que perfume delicioso... Tem cheiro de felicidade, de cama aconchegante, de abraço...

Olha o tamanho desta lua... nunca vi uma lua tão cheia...

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