quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ele vem

Ele vem. Eu sei que vem. Vem quando a gente menos espera. De madrugada, no trabalho, na caminhada matinal pela praia, durante os sonhos. Vem devagar, em partes, às vezes fragmentado, muitas outras sem sentido. Parece que não conecta uma coisa na outra, parece que não vai dar, que vai faltar ou que não tem liga, mas vem. Vem durante o passeio com o cachorro, vem durante uma cruzada de olhar ou de perna, vem num segundo. Precisa ser apreendido, domado, entendido. Escrito. Enquanto não vem a tona, à tela, fica ali. Indo e vindo. Não nos deixa em paz, absorve, invade. Precisa ficar livre, solto. Começa com uma frase. É o pontapé inicial. Sei por aí se vai ter fim. E começo. Vem de dentro, pode começar com um sentimento, uma sensação, um acontecimento. Pode ser uma noticia de jornal, um papo de cozinha, uma visita inesperada. Pode ser numa viagem qualquer. Interna ou externa. Pode ser num texto. Numa leitura. Na leitura com certeza vem. A leitura abre, liberta, instiga, mexe, remexe e o obriga a vir. Quando vem não dá para impedir. É como uma dor forte, incontida. É como um pum que precisa sair. Não dá para esperar. Fica martelando o tempo todo. A frase, a palavra, o som. Tem de ser repetido baixinho até o momento de ser digitado. Aí sim, parece que fica claro. Que faz sentido. Meu maior medo é de ele não vir mais. De desaparecer de mim. De nunca mais voltar. As vezes fica dias sem aparecer, assustando, provocando. Outras vezes vem com tudo, sem anunciar, sem mesmo querer. Vem e invade. Toma toda a atenção. Dispersa o resto e se torna prioridade. Tem de cuidar, agradecer, aproveitar, distribuir, para que continue vindo, firme e forte. Preciso. Dá trabalho, cansa, esgota, exaure. Tem de fazer sangrar como diz Caio. Mas o prazer que dá não tem igual. Não tem do que reclamar. Muito pelo contrario, não dá pra viver sem.

carmem maia

Nenhum comentário:

Postar um comentário