domingo, 18 de outubro de 2009

45 anos em 10 segundos

Suguei com toda minha força. Aspirei com fé e vontade. Toda energia estava voltada para aquele momento. O gosto era de esperança. Não deixei escapar uma gota sequer. Não quero ter deixado. É minha vida que estava ali. Naquele recipiente cercado de cuidados e proteção. Incolor. Insosso. Que de inofensivo não tem nada. Não foi nada parecido com o que eu estava esperando. Tanta expectativa, tanto medo. Sugo com mais força, olho para a parede e vejo a foto das minhas filhas, felizes, sorridentes, saudáveis. Peço coragem e me cobro paciência. Tempo, tempo. Quando tudo isso vai acabar? Quando vou poder ir embora livre e inteira? Não sei se volto a ser assim tão inteira. Não sei se quero voltar a ser quem era. A fazer as mesmas coisas repetidas vezes. Penso nos últimos 45 anos e nos próximos que espero ter pela frente. Fecho os olhos e me lembro daquele olhar que nunca me esqueço. Ele, 20 anos mais velho do que eu, na frente da sala de aula, olhando daquele jeito desconcertante. Aquele mesmo olhar que ele ainda me dá, quase 20 anos depois, quando sabe que estou prestes a gozar. Ele faz questão de parar, um segundo ou dois antes, e me olhar. Gosta de me ver assim, entregue. Preciso da lembrança daquele olhar agora. É o que me faz ter vontade de continuar. De sugar com com mais vontade, me dá mais tesão puxar assim fundo. Cobro um pouco de sensatez numa hora como essa. Não sei como posso estar pensando em prazer, mas é exatamente nisso que penso. E na sequencia, penso nas duas gravidezes. Na felicidade de ver a barriga crescer todo dia. Nos batimentos do coração que me faziam acreditar que a vida vale a pena e que tudo é possível. Penso também nas várias separações. Nos dois ou três casamentos. Nos outros filhos perdidos, abortados. Penso nas viagens que fiz e nas que ainda quero fazer. Nos livros que li e nos que ainda quero escrever. Penso em sushi. Vontade de comer o que até agora era proibido. Desejo do proibido. Não deve ter passado mais de 10 segundos. Sugo uma vez mais, agora ainda com mais vontade. Novamente ele me vem à cabeça. Estremeço e o médico me pergunta se está tudo bem. Eu digo que sim com o polegar. Só preciso dele olhando para mim. Um pouco mais de paciência. Pronto, acabou. Agora, o silencio impingido. O confinamento, isolamento necessário que me obriga a parar e pensar. Escutar meu próprio corpo. Meus pensamentos. Preciso desse silencio. Daqui pra frente, 10 segundos todo santo dia para não esquecer de lembrar quem sou, do que gosto, quero e espero.

Carmem Maia, outubro de 2009

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