segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tensão entre bananas

Gisela

PARTE I

Será que meu pai vai voltar?

Todo domingo é a mesma história: meu pai me acorda para irmos juntos à feira. Não sei por quê, mas não temos carrinho de feira, então ele leva duas grandes sacolas de pano. Meu pai diz que devo ir para ajudá-lo e eu me sinto muito importante.

Atravessamos a feira sempre na mesma ordem, comprando nas mesmas barracas, seguindo a lista que minha mãe fez. Começamos por tomate, pepino, alface. Depois passamos para batatas e cebolas, sempre os maiores volumes. E então vem minha parte preferida: as frutas. Acho todas lindas, coloridas, cheirosas.

O moço da barraca de frutas sempre me dá uma “provinha” de manga ou qualquer outra fruta da época. É o ponto alto do nosso passeio.

A esta altura, as sacolas já estão abarrotadas com as compras que vão lotar a geladeira e a cesta de frutas em cima da mesa, demonstrando fartura, como meu pai tanto preza.

Papai está demorando tanto...

Parte das batatas será consumida no almoço de hoje mesmo, já que domingo é o dia de batata-frita lá em casa, no almoço festivo que minha mãe ficou em casa preparando.

Finalmente chegamos à última etapa da jornada: a barraca das bananas. Uma barraca super-especializada, vende somente bananas, mas de uma variedade enorme. É também a barraca que fica bem em frente à rua que percorremos para chegar e sair da praça onde fica a feira.

Mas afinal, cadê meu pai?

Ao lado da barraca, meu pai me posiciona entre as duas sacolas, que deposita no chão com cuidado para não amassar as compras, e diz “já volto, vou buscar as laranjas”. Faz um sinal para Seu Manoel, o dono da barraca, eu imagino que seja para cuidar de mim.

E fico lá, esperando, tensa, olhando para os dois lados, me perguntando quando e se meu pai vai voltar.

Eis que depois de um tempão (deve ter passado meia hora) ele surge ao longe, carregando o saco plástico com a dúzia de laranjas que se transformarão no meu suco ao longo da semana. Chega perto, me dá um beijo, eu abro um sorriso. Antes de ir pra casa, vamos ao botequim da esquina comprar a esperada coca-cola (também só permitida no almoço de domingo), enquanto eu pergunto: “papai, posso vir de novo na semana que vem?”


PARTE II

Será que ela está bem?

Todo domingo é a mesma história: acordo cedo, a lista da feira já está pronta, feita pela minha esposa na noite anterior. Chamo minha filha, que levanta animada (não entendo como uma criança pode se animar com um programa destes), e vou fazer a minha única tarefa doméstica: ir à feira.

Claro que eu preferia ficar dormindo até mais tarde, ou ler jornal, ou ir à praia, ou não fazer nada. Mas até que ter escolhido esta tarefa tem as suas vantagens: é apenas uma vez por semana, e consigo comprar o que e quanto eu quiser (sem fugir muito da lista, claro), pois gosto de fartura para não parecer pobre.

A idéia de levar minha filha junto foi da minha mulher, para que ela pudesse fazer o almoço de domingo com mais calma. No início achei que iria atrapalhar, mas ela fica tão feliz de me acompanhar que acabei gostando também. Minha parte favorita é quando o rostinho dela se enche de alegria ao ganhar um pedaço de manga ou outra fruta da época na barraca de frutas.

Cadê este troco, preciso ir logo.

Tenho que comprar um carrinho de feira urgente, mas minha mulher acha que não precisa, que devíamos economizar para outras coisas. As sacolas ficam muito pesadas no fim da feira, minha mão dói, minhas costas também, e olha que ainda sou novo.

Aí sempre tenho que deixar minha filha com as sacolas quando vou pegar os últimos itens da lista, geralmente ovos ou laranjas.

É melhor deixar na barraca de bananas, pois já é meio caminho pra casa, e o Seu Manoel , dono da barraca, está aqui há anos. Além disso, ela já está bem grandinha, já pode ficar uns minutinhos sozinha.

Até que enfim! Não, não precisa de outra sacola, me dá neste saco mesmo.

Ela não deve se importar em ficar sozinha, são só três minutos (hoje eu contei), é bom pro “desenvolvimento da independência” da criança (não é assim que os psicólogos dizem?). No final das contas, quando eu chego, ela abre um sorriso tão gostoso que só pode ter gostado da experiência.

Dou um beijo nela, vamos comprar a bendita coca-cola do almoço de domingo no botequim da esquina e ela me pergunta: “papai, posso vir de novo na semana que vem?”


PARTE III

Vai uma banana aí, madame?

Toda domingo é a mesma história: este rapaz chega com esta menininha, coloca as sacolas no chão, uma de cada lado dela, e vai comprar alguma coisa.

Na primeira vez, ele me perguntou se eu podia “dar uma olhada”, assim como se pede pra alguém olhar seus chinelos quando se vai dar um mergulho no mar. Tudo bem, o que me custa, se ele comprar as bananas comigo...

Ela fica com uma carinha tão preocupada. Acho que ela tem medo do pai não voltar. Não sei por que ela pensa isso, já devia estar acostumada.

A banana-nanica tá melhor esta semana, madame.

Eu tenho uma filha também, mas é mais velha. Lembro pouco de quando ela tinha esta idade. Eu quase não consegui acompanhar, sempre tive que acordar de madrugada para montar a barraca nas feiras de bairro. Quando ela chegava em casa da escola, eu estava dormindo.

Será que minha filha também sentia minha falta, como esta sente a do seu pai?

A menina me olha como se me pedisse socorro. Eu não sei direito o que fazer, mas sorrio, às vezes ofereço um pedaço de banana, ela nunca aceita.

Uma dúzia por três, duas por cinco, só na minha mão.

O pai realmente é rápido, leva menos de cinco minutos. Quando chega perto, aquela ruga no meio da testa de uma menina tão nova se desfaz, ela abre um sorriso e ele lhe dá um beijo. Sempre sinto uma pontada neste momento, não me lembro do último beijo trocado com a minha filha.

O rapaz me agradece e eu me seguro para não pedir: “moço, deixa ela de novo na semana que vem?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário