segunda-feira, 12 de outubro de 2009

MÃE SEREIA DE OXÓSSI

Marcos Freitas

Trago a pessoa amada em três dias.
O folheto preso ao poste fazia nascer em mim uma esperança até então esquecida. Cheguei completamente trêmula àquele sobradinho antigo da Rua do Catete. Esperavam sentadas em um banco mulheres elegantíssimas; óculos escuros, colares, bolsas e anéis da mais alta sociedade.
“Lúcia Barreto de Macedo Negrão”, disse em voz baixa ao rapaz que julguei ser o recepcionista. “Pois não, a senhora já pode entrar. É o último quarto do corredor”.
Mãe Sereia era uma preta azulada, usava uma roupa branquíssima, o pescoço cheio de guias. Pedi sua benção, sem saber se aquele era o protocolo adequado. Mandou que me sentasse, tinha a voz bem rouca.
“Teu coração está sedento, meu bem. É mal de amor que te aflige”.
Naquele instante pensei em tudo que o amor representava para mim. Como, meu Deus! Como eu queria ser amada, nem precisava ser para sempre! Ao menos por um instante ouvir “Eu te amo”.
Um filme passou pela minha mente: os rapazes que desejei na juventude, mas que por medo de rejeição, renunciei. Outros, tantos outros, adúlteros, cruéis, covardes. Brincaram com o amor, o trocaram pelo prazer. Cambada de devassos que hoje assistiam a minha ruína. Acreditei na paixão verdadeira, e a mim ela nunca se apresentou. “Eu faço tudo o que for preciso”.
Mãe Sereia pegou em minhas mãos. “Maldição, minha filha. Obra de feitiçaria. Só tem um jeito de reverter esse tipo de coisa, e é rebatendo essa macumba”. Não tive coragem de pedir detalhes... Eu, amaldiçoada?
“Cinqüenta reais, o resto é comigo. Não precisa se preocupar, meu bem. O homem que tu ama estará na sua porta em três dias. Ou menos”.
Abri a bolsa aflita, dei 100 reais, “para não ter erro”. Não conseguia acreditar em tudo o que estava acontecendo: um amor não-correspondido, uma maldição e agora minha única chance de reverter aquilo tudo.
Descendo a rua, veio a crise de consciência. Gargalhei de mim mesma e do que fiz naquela manhã. Foi quando lembrei, como num estalo, de meu velho pai. Homem sábio, coração puro escondido atrás do terno opaco e sem vida. Lembrei de nós dois, sentados assistindo Annie Hall, e de sua frase solta ao final da sessão: “O amor existe dentro de nós”.
Sentei e chorei.

2 comentários:

  1. Gostei de tudo, da história, das descrições e do final.

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  2. Que delícia de texto, Marcos!! Adorei.

    Gabriela

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