Dois Personagens - Carmem Maia

Dois personagens, ambos jovens. Ela com 20, ele com 30. Conheceram-se na cidade natal, Joinville, e tinham apenas um sonho em comum: mudar-se para o Rio de Janeiro. Ele foi o primeiro namorado dela. Eram de famílias conhecidas e, apesar da diferença de idade, freqüentavam os mesmos lugares. Breno era boemio, gostava da noite, de um bom boteco no final do dia, enquanto ela preferia tocar piano e ler bons livros. Namoraram durante toda a adolescência e pensavam em se casar. Breno tinha um ótimo gosto. Vestia-se bem, costumava viajar anualmente para a Europa em busca de tendências e novidades. Seu primeiro trabalho foi na confecção do tio, estampando camisetas. Não demorou muito para  criar sua própria marca e Joinville ficar pequena demais. Foi nesse período que  resolveu fazer um curso de moda em Nova York. Ficaram anos separados, o tempo certo dela terminar a faculdade de Letras e ele abrir uma loja no Village com um amigo. Continuavam se correspondendo e o namoro era mantido a distancia, até que um belo dia ele reapareceu. Estava irreconhecível. Continuava charmoso e interessante, mas estava vestido de uma maneira um pouco estranha para os padrões catarinenses. Ela ficou feliz com sua volta e surpresa com o pedido de casamento. Não sabia ao certo se o amava, mas queria sair da cidade natal e conhecer o mundo e essa parecia ser a maneira ideal. Casaram-se e foram para Nova York. Ela amou a cidade, freqüentava as bibliotecas públicas e não perdia um concerto no Metropolitan aos domingos. Enquanto isso ele freqüentava o Village e tinha uns amigos divertidos e animados, além de muito simpáticos. Breno também era uma simpatia. Educado, gentil, fazia todas as vontades dela. Ficaram quase 5 anos na cidade até que resolveram voltar para o Brasil. Escolheram o Rio, já que para o sucesso e continuação dos negócios essa parecia ser a melhor opção. Ele abriu uma primeira loja em Ipanema, depois uma maior no Leblon. Ficou conhecido na cidade, principalmente das celebridades globais. Continua excêntrico e se vestindo de maneira estranha, freqüenta os cafés do Leblon com um chapéu panamá e um rabo de cavalo grisalho que escorre pelas costas. Depois da mudança, ela não mudou muito seus hábitos. Continua freqüentando livrarias e tem feito alguns trabalhos assistenciais contando histórias infantis para crianças carentes. Continua fiel ao marido. Hoje, em seu aniversário de 40 anos, está particularmente infeliz. Há semanas não tem conseguido dormir nem comer direito. Diz que são os hormônios, ou a falta de alguma vitamina ou mineral. Tem sido vista chorando pelos cantos e não tem vontade de nada, nem de ler seus clássicos prediletos. Breno não sabe o que fazer para ajudá-la. Ontem mesmo ele a convidou para andar na Lagoa, como faz toda manhã, mas ela se recusou a sair da cama. Alias, isso tem sido recorrente nos últimos meses. Nem mesmo para os trabalhos voluntários que costuma fazer ela tem tido energia. Passados 20 anos de casamento, cada um foi para um lado. Quase não se falam. Parecem até dois personagens que foram criados independentes e que se encontraram por meio e força de uma ficção. Impossível ter um final feliz.

Personagens:

Breno: Nascido em Joinville, casado e sem filhos. Um senhor sofisticado e bonito, com longos e cuidados cabelos grisalhos, muito bem educado e sempre bem vestido. Adora companhia feminina, teatro, cinema, restaurantes e viagens. É designer de moda, fez muito dinheiro com lojas e confecções. Teve por muito tempo uma loja de sucesso em NY, onde ficou amigo de personalidades. No botequim que freqüenta, tem fama de gay. Prefere outros lugares mais limpos e chiques, mas freqüenta o botequim porque gosta do grupo de amigos bastante singular, que geralmente “bebem” em inglês. É visto diariamente caminhando na lagoa e no calçadão de Ipanema, ou nos cafés do Leblon. É, apesar das aparências, uma pessoa simples e de ótimo coração.

 Mulher, 40 anos, loira de olhos azuis profundos. Formada em Letras, nunca exerceu a profissão. Ocupava-se com causas beneficentes. Casou-se cedo. Sempre foi fiel ao marido. Era muito insegura e ansiosa. Fumava muito. Sentia um vazio muito grande e tinha acessos de depressão.

 Carmem Maia, Rio, Outubro 2009